12 de julho de 2019

Laibon: Os Exóticos Mortos-Vivos Africanos

Tradução de Porakê Martins, site Brasil In The Darkness.
 

Kindred of the Ebony Kingdom, algo que poderia ser traduzido como “Vampiros do Reino de Ébano”, é um suplemento oficial da terceira edição de Vampiro: A Máscara, lançado em 2003, apresenta a peculiar sociedade dos morto-vivos do continente Africano. Mais tarde, teve também sua encarnação como parte do Card Game relacionado, Vampire: The Eternal Struggle (VTES), e recebeu atualizações, primeiramente, na edição comemorativa de 20 anos de Vampire: The Dark Ages e, posteriormente, teve mais detalhes acrescentados através do Beckett’s Jyhad Diary, derradeiro suplemento oficial da edição comemorativa de aniversário de 20 anos de Vampiro: A Máscara. E, ainda mais recentemente, foram citados no Guia da Camarilla da recente Quinta Edição do jogo, conhecida como V5, ainda inédita em português.
Ainda na primeira edição de Vampiro: Idade das Trevas, os Laibon foram inicialmente apresentados como uma linhagem exótica de Membros oriundos da África que ocasionalmente se aventuravam pela Europa medieval. Só mais tarde, já na terceira edição, é que o conceito foi expandido e os Laibon passaram a ser retratados como uma complexa sociedade de Membros nativos da África Subsaariana, algo além de uma mera Seita como a Camarilla ou o Sabá, exigindo uma mecânica diferenciada, novas disciplinas e até variações nos níveis de disciplinas já conhecidas. Assim, foi estabelecido um tipo de retcom, onde os Laibon apresentados no Dark Ages original, não passavam de representantes de apenas um dos muitos Legados que compõem a sociedade dos mortos-vivos nativos do continente africano.
Ao contrário dos Kuei-jin asiáticos, os Laibon não são uma raça sobrenatural a parte dos Membros europeus, na verdade, os Laibon, embora se diferenciem da Família “regular”, ao que tudo indica, possuem uma origem comum com os cainitas.
Os próprios Laibon reverenciam deuses e lendas africanas e repudiam a versão registrada pelos Membros europeus em seu Livro de Nod. No entanto, existem semelhanças curiosas: Cagn, o mítico patriarca Laibon, é surpreendentemente semelhante ao Caim dos cainitas. Embora, ser meramente um vampiro residente na África não faça de você um Laibon. Os herdeiros de Cagn possuem uma visão de mundo dramaticamente diferente dos cainitas, forjada por séculos de contato com a cultura e com o sobrenatural do continente berço da humanidade.
Por exemplo, embora existam alguns Ventrue residentes na África, eles são considerados estrangeiros. No entanto, os Mla Watu (um raríssimo legado Laibon que costuma ser relacionado ao Clã Capadócio), embora temidos por seu poder sobre os mortos, são considerados parte integrante da sociedade Laibon por sua longa história na África.
Da forma como foram apresentados em Kindred of the Ebony Kingdom, nenhum Laibon segue o Caminho da Humanidade, nem qualquer outro Caminho de iluminação. Em vez disso, os Laibon forjam suas não-vidas em torno de duas trilhas de moralidade, separadas e complementares, baseadas na filosofia e no misticismo africanos. São elas: Aye, uma doutrina moral relacionada ao mundano e apenas ligeiramente relacionada à humanidade; e Orun , um postura moral diante do sobrenatural e da perspectiva mística e animista das culturas tradicionais africanas. Dependendo de onde se localizam nessas duas escalas, a aparência e o poder sobrenatural de um Laibon podem oscilar. Esta diferença fundamental separa para sempre os Laibon dos cainitas “típicos”.
É interessante notar como a White Wolf, notória pelos deslizes ao abordar culturas que fujam ao patrão branco judaico-cristão ocidental, parece ter realmente se esforçado para oferecer ao seu público um produto genuinamente preocupado em ampliar a inclusão e a abrangência de seu Mundo das Trevas. Há uma reverência solene à ancestralidade africana e um tom crítico em relação ao individualismo e pragmatismo ocidentais ao se apresentar a sociedade Laibon, intrinsecamente associada ao animismo e coletivismo característico das tradicionais culturas tribais africanas. Nesse ponto a tônica ditada em Kindred of the Ebony Kingdom chega a lembrar outra linha de jogos da editora, Lobisomem: O Apocalipse.
Contudo, toda essa preocupação não isenta este suplemento de seus deslizes. Kindred of the Ebony Kingdom está longe de ser uma obra abertamente racista ou deliberadamente ofensiva para, a já constantemente atacada, autoestima de africanos ou afrodescendentes, mas acaba por recair em velhos estereótipos.
Deixa claro, por exemplo, que os Laibon são Membros muito antigos, mas que têm dificuldades para se adaptarem ao “Mundo Moderno” e aos Membros estrangeiros, ou seja, os Vampiros africanos são retratados basicamente como selvagens tribais que evitam a sociedade moderna em favor de suas unidades familiares “primitivas”, o que, aparentemente, tem haver apenas com o status africano de “terceiro mundo”, um tratamento, aliás, bem familiar a nós latino-americanos.
Nos dois casos, tanto em relação à África como ao continente Americano, há uma tendencia a se ignorar as diversas, ricas, opulentas e avançadas civilizações do passado. No caso específico da África, civilizações como os impérios de Benin, do Gana, de Mali, de Songai e culturas como as civilizações Nok e Cuche. Além de aparentemente se ignorar o fato de que tanto o Antigo Egito como Cartago, temas frequentes no Mundo da Trevas, estavam localizados no continente africano, embora situados no que se convencionou chamar de “África Setentrional”. No mínimo nos parece razoável supor que essas notáveis civilizações que influenciaram de forma significativa a cultura ocidental, tenham tido no mínimo tanto contato com a o restante do continente africano quanto tiveram com a Europa, do outro lado do Mediterrâneo.
Por séculos, talvez milênios, a África esteve na vanguarda da civilização mundial, com vários impérios, cidades e civilizações avançadas. Podemos considerar o comércio entre a África e o Oriente que precederam em séculos a ascensão da Europa, como por exemplo, as rotas entre o Reino de Axum (atual Etiópia) e a Península Arábica, séculos antes de Cristo, enquanto a Antiga Roma ainda engatinhava. Será que diante desse panorama histórico faz algum sentido que os Vampiros nativos do continente africano se contentem em ter como Rebanho as tribos nômades de caçadores e pastores embrenhados nas regiões selvagens?
Seja como for, a boa notícia é que a diferença mais marcante entre os Laibon e os demais Membros também é algo bastante interessante para se explorar em narrativas, sua busca por manter o tênue equilíbrio entre o mundo dos mortais e o sobrenatural. Ao contrário dos cainitas ocidentais, comumente definidos por sua adesão ou violação do que consideram ser a “Humanidade”, os Laibon mantém uma dupla lealdade, tanto para com seus homólogos mortais (Aye) quanto para com o mundo sobrenatural (Orun). Sua afinidade com este último, aliás, os permite cultivar um vínculo muito maior com o sobrenatural do que vemos normalmente entre Membros ocidentais. Os Laibom podem, por exemplo, acessar o outro lado da Película ou da Mortalha mediante uma variação exclusiva da disciplina Auspícios.
Essa profundidade filosófica e espiritual Laibon, que parece beber na fonte da filosofia ancestral africana, conhecida no ocidente como ubuntu (“Eu sou porque nós somos”), confere aos Laibon um misticismo próprio e toda uma gama de possibilidades muito interessantes. Para um Laibon, sua condição não é fruto de uma maldição, mais um compromisso assumido que requer novas responsabilidades para com a harmonia do todo da criação, tanto o mundano quanto o sobrenatural.
Porém, o fracasso em atender ambas as lealdades pode levá-los a uma degeneração monstruosa e a um comportamento predatório selvagem semelhante ao que espera um cainita que abriu mão de qualquer compromisso com a Humanidade (ou outra trilha qualquer de iluminação). Essas características também se refletem misticamente na aparência de um Laibon. Um alto nível de Aye faz com que o Laibon pareça vivo, enquanto um nível alto de Orun faz com que ele pareça obviamente sobrenatural, muitas vezes demoníaco. Os poucos Laibon que conseguem manter altos níveis tanto de Aye como de Orun, parecem criaturas divinas e transcendentes.
Da mesma forma, que os Membros são divididos em Clãs e Linhagens, os Laibon são divididos em Legados, cada um com suas próprias disciplinas, fraquezas e lendas. Cainitas pouco sábios podem ser levados a conclusões precipitadas pelas semelhanças superficiais entre os Legados Laibon e determinados Clãs ou Linhagens cainitas.
Ao contrário dos clãs altamente políticos de seus vizinhos ocidentais, os legados Laibon atuam mais como relações familiares amplas do que como facções unificadas. Membros de um mesmo Legado são vinculados por uma linhagem e características comuns, mas não possuem uma lealdade absoluta.
 
Os principais legados Laibon são:
 
AKUNANSE — Disciplinas: Abombwe, Animalismo e Fortitude. Apelido: Tecelões. Fraqueza: Como os Gangrel eles adquirem características animais ao longo de sua não-vida.
São considerados vagabundos e contadores de histórias próximos da natureza. Eles tomam seu nome e natureza dos mitos da “aranha sábia” popular em muitos contos africanos. São conhecidos por seu grande conhecimento, sábios conselhos e natureza não-política. De todos os Laibon, eles são os menos preocupados com a Jyhad, e os menos organizados em geral. No entanto, como Anansi, o Deus-aranha de quem eles tomam seu nome, não estão acima, de usar suas habilidades uma e inteligência e para alcançar grandes feitos.
 
GURUHI — Disciplinas: Animalismo, Potência e Presença. Apelido: Reis. Fraqueza: A aparência de um Guruhi muda de forma imprevisível e peculiar com as mudanças em seus níveis de Orun e Aye.
Eles são o legado dominante, os governantes naturais da sociedade Laibon, embora costumem ser relacionados ao Clã Nosferatu. Tomando o nome do deus gambiano de quem eles proclamam descer, os Guruhi acreditam serem os mestres da África, os legítimos governantes de suas terras e povo.
 
ISHTARRI — Disciplinas: Celeridade, Fortitude e Presença. Apelido: Glutões. Franqueza: Os Ishtarri são facilmente atraídos pelo excesso.
Encarados como forasteiros por muito tempo, esses Membros se esforçam para misturarem-se e tornarem-se parte integrante da sociedade Laibon. Costumam ser relacionados ao Clã Toreador, os Ishtarri afirmam ser descendentes da deusa babilônica Ishtar. Os Ishtarri são o único legado Laibon que não é originário da África, no entanto, através da manipulação e da diplomacia, eles se tornaram uma parte importante da cultura Laibon. A maioria de Ishtarri parece se especializar em informações. Eles consideram espionar um passatempo essencial e geralmente têm muitos contatos e aliados valiosos para explorar conforme necessário.
 
KINYONYI — Disciplinas: Animalismo, Quimerismo, Fortitude. Apelido: Nômades. Fraqueza: Eles são amaldiçoados a não permanecer por muito tempo em um mesmo domínio.
Viajantes que podem procurar itens especiais ou realizar trabalhos, ilegais ou legais, normalmente agindo como batedores ou mensageiros. Costumam ser relacionados ao Clã Ravnos. Os Kinyonyi tomam o nome da palavra Luganda para “pássaro”, refletindo suas tendências para viajar constantemente, mesmo mais do que o Akunanse que procuram conhecimento.
 
MLA WATU (Impundulu) — Disciplinas: Auspício, Fortitude, Necromancia. Apelido: Devoradores de Fantasmas. Fraqueza: As dificuldades dos testes sociais dos Mla Watu, mais tarde, no Beckett’s Jyhad Diary foram completamente reformulados e rebatizados como Impundulu.
Necromantes hediondos, relacionados ao Clã Capadócio. Talvez nenhum grupo de Laibon seja evitado tanto como o Mla Watu. Embora os Laibon sejam distanciados de sua humanidade, eles ainda têm um respeito saudável pelos mortos, como muitos povos nativos da África. Os Mla Watu não se contentam em se comunicar com antepassados mortos, eles procuram a blasfêmia de tentar controlá-los. Outros Laibon temem que seus espíritos caiam nas mãos dos Mla Watu após sua morte final.
 
NAGLOPERS — Disciplinas: Animalismo, Auspício, Vicissitude. Apelido: Horrores. Fraqueza: Para descansar eles precisam se enterra completamente na terra todas as noites.
Monstros assustadores de rumores e mitos. Normalmente relacionados ao Clã Tzimisce. Tomando o nome da palavra Khoikhoin para “feiticeiro do mal”, os Naglopers estão à altura de sua reputação como o mais horríveis Laibon. Os Naglopers estão intimamente ligados ao asanbonsam da lenda de Ashanti, uma criatura horrível que se assemelha a um homem com pés empalmados. O asanbonsam usaria seus apêndices para alcançar e arrebatar transeunte para se deleitar com seus corpos.
 
NKULU ZAO — Disciplinas: Auspício, Fortitude, Obeah. Apelido: Sugadores de Almas. Fraqueza: Não podem se alimentar de quem não está disposto a lhes ceder seu sangue.
Relacionados aos Salubri. Os Nukulu Zao são um dos menores legados Laibon. Restaram muito poucos depois que foram caçado há séculos. Seu próprio nome é em homenagem ao seu fundador; Nkulu Zao é Bavili para “Almas mortas de Zao-lat”. Para se esconder dos magos que dizimaram seus números, os Nukulu Zao permanecem altamente secretos. Tão secreto que, de fato, nem eles sabem quantos permanecem na África, muito menos no resto do mundo. Eles são solitários e desesperados pela própria sobrevivência, ao ponto de fazerem jus aos rumores espalhados pelos Tremere, tomando a alma de quem ameaça sua segurança.
 
OSEBO — Disciplinas: Auspício, Celeridade, Potência. Apelido: Orgulhosos. Fraqueza: Os Osebo são criaturas passionais, com um temperamento volátil.
Comumente relacionados ao Clã Brujah. Guerreiros entre os Laibon, os Osebo clamam pelo nome do famoso leopardo da lenda Ashanti. Embora sejam orgulhosos de suas tradições e as defendam teimosamente, eles dependem do outro Laibon, particularmente o Guruhi, para direcionar suas energias. Deixados por si tendem a se entregar à Besta e causar enormes quantidades de caos entre a população mortal.
 
SEGUIDORES DE SET (Filhos de Damballah) — Disciplinas: Ofuscação, Presença e Serpentis. Apelido: Serpentes. Fraqueza: Como os Setitas, são extremamente suscetíveis à luz solar.
Originalmente eles foram apresentados apenas como um ramo mais primitivo e tribal dos Seguidores de Set, relacionados à África Subsaariana e não ao antigo Egito, posteriormente esse conceito foi sendo aprimorado para a dar Origem aos Filhos de Damballah. Os Damballans estão concentrados na região da Nigéria e Benin, com seu templo fundador em Oyo, a capital única do antigo Reino Iorubá. Eles adoram Damballah-Wedo, o deus serpente iorubá e sua esposa Aida-Wedo, a serpente arco-íris e tudo indica que tenham dado origem a Linhagem dos Serpentes da Luz, a partir da imigração forçada de escravos de origem africana para o Caribe.
 
SHANGO (Obayifo) — Disciplinas: Celeridade, Dur-An-Ki, Ofuscação. Apelido: Juízes. Fraqueza: Vício em sangue vampírico.
Um Legado composto por terríveis guerreiros e feiticeiros enigmáticos. Comumente relacionado ao Clã Assamita. Foram renomados como Obayifo, no Beckett’s Jyhad Diary. São adoradores de Shango, deus iorubá das tempestades, os Shango são talvez o legado mais civilizado dos Laibon ao lado dos aristocrático Guruhi. Devido às suas perspectivas semelhantes, ambos os legados trabalham em estreita colaboração para atingir seus objetivos.
 
XI DUNDU (Ramanga) — Disciplinas: Dominação, Tenebrosidade e Potência. Apelido: Sombras. Franqueza: Os Xi Dundu não projetam sombras.
São normalmente relacionados ao Clã Lasombra e tomaram seu nome da palavra Bavili para “sombra”, o Xi Dundu originalmente surgiram no Congo até que um rito errado os forçasse para fora de suas terras. Eles agora fazem sua casa entre os povos massai da África oriental. No Beckett’s Jyhad Diary foram ligeiramente reformulados e rebatizados como Ramanga.

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