Texto escrito por Evandro Campos Silva, para o site REDERPG
O RPG permite vivermos personagens diferentes, em vários mundos e com
níveis diferentes de poder. Mas um dos poderes que poucos podem ter
imaginado ter é o poder político e nesse caso não estou falando de fazer
um personagem ministro ou um duque. Em cada mundo seu personagem pode
interagir de formas únicas e alterar muito da política existente ao seu
redor, às vezes sem nem perceber.
Samurais
Pensei nesse artigo ao jogar
Lenda dos Cinco Anéis, o qual
sou muito fã. Um samurai por si só é uma das maiores forças políticas
neste mundo. Ele representa sua classe social, seu clã e o imperador, e
suas ações são observadas e muitas vezes tomadas como decisões de seu
clã…
Um personagem tem que ter cuidado, pois uma pequena discussão numa
casa de saquê, pode se tornar uma guerra se não controlada por uma
pessoa sábia. E uma decisão mal tomada pode envolver a vida de vários
camponeses, comerciantes, soldados e até outros samurais. Por conta da
palavra de um samurai ser lei e a plena verdade (mesmo que não seja),
isso pode causar grandes problemas: um simples e descuidado grito de “
Maho!”
(magia de sangue, proibida no reino) pode levar a uma caça às bruxas.
Isso pode ser ainda mais forte quando o personagem é um
shugenja,
um sacerdote e mago ao mesmo tempo, e por isso tem a autoridade
religiosa e em Rokugan a religião é muito importante. Monges também têm
um papel parecido. Os cortesões cuidam das políticas dos clãs
diretamente e guerras, ajudam e mesmo vantagens para seus clãs são
conseguidos por meio deles. Mas um erro, pode significar que o clã do
Caranguejo resolve atacar o Clã da Garça por um acordo comercial mal
feito… ou uma tentativa de assassinato malfeita do Clã do Escorpião,
pode gerar uma guerra contra o Clã do Unicórnio… As ações de um
personagem nesse mundo são consideradas ferramentas políticas e isso é
interessante para um Mestre de Jogo observar. O que os personagens podem
fazer quanto ao seu
daimyo corrupto? O que o Clã pode fazer se
você cometeu um ato bom, mas contra a vontade dos seus líderes? Em
Rokugan toda ação tem uma reação política, e muito disso é a realidade
de um Japão Feudal, e de outros cenários baseados no mesmo período.
Agora deixando L5A um pouco de lado vamos ver outros estilos de
ambientação.
Personagens Medievais e Fantásticos
Dentro da realidade, se você não fosse ao menos consagrado cavaleiro,
seu poder político era zero e mesmo assim os cargos mais altos tinham
bem mais relevância no quesito político da época. Religiosos tinham um
certo prestigio, mas dependendo da época ou lugar, seu prestígio
político como pessoa era mínimo. Mas isso não quer dizer que ele não
poderia influenciar políticos ou talvez até revoltas. Em
7th Sea,
um grande poder político do mundo é a Igreja e muitas vezes utilizada
como vilã, principalmente pela sua Inquisição. Outro exemplo é do
clássico literário
Os Três Mosqueteiros, em que o Cardeal fazia o papel de vilão.
Em mundos de fantasia a coisa muda um pouco de figura. Ainda o poder
político de um personagem era quase nulo, mas quando começa a ganhar
poder e glória, junto com os níveis e itens mágicos, ele começa a ser
reconhecido. Um herói é respeitado pelo povo e, dependendo do seu feito
(salvar várias vilas o reino ou até mesmo o mundo), ele pode ser
reconhecido pelo próprio rei. Alguns personagens são príncipes
fugitivos, duques, barões e até mesmo capitães da guarda. Estes títulos
trazem direitos e deveres, além de fazer o personagem uma força política
à solta no mundo… o príncipe pode ser filho de um rei deposto
injustamente, sendo uma ameaça ao atual poder, um duque que nega seus
deveres para sair se aventurando deixa seu povo sem liderança e a mercê
de um usurpador ou bandidos por exemplo… um capitão da guarda deve
manter a paz e uma decisão errada pode causar a morte de algum nobre,
revolta popular ou coisa pior. Lembre-se: toda ação tem uma reação e
quando você tem deveres maiores, a reação não atinge somente a você…
Mas nesse universo podemos ter um mago muito poderoso, que apenas por
isso se torna uma força política. Se ele disser que vai destruir o
castelo se o pedido não for atendido, ele talvez possa… se ele alertar
que o terrível dragão vai acabar com o reino, o Rei rapidamente consegue
heróis para evitar a tragédia! Sim, ser poderoso e influente tem suas
vantagens, mas também seus problemas. Se o reino se encher dos desmandos
de um mago poderoso, pode usar um exército e outros magos poderosos
para dar fim ao prepotente. Um mago que dá bons conselhos (ou maus) pode
se tornar vítima de alguém que quer o cargo de conselheiro ou apenas
tirar o mago da jogada para um plano maior.
Grupos de aventureiros podem ter influência indireta. Talvez
derrotando um inimigo, ele se revele um barão caído há muito tempo e seu
reino é liberto, aterrado por uma praga ou pela volta de um barão morto
vivo por exemplo… nunca se sabe! Derrotar um exército ou um general orc
pode ser o estopim de uma guerra entre orcs e humanos neste reino, já
que os Heróis seguem para sua próxima aventura tranquilos. Ou talvez
aquela masmorra com um item maravilhoso que os heróis pegam poderia ter
um importante significado para os elfos da floresta, que exigem o
retorno do objeto ou a destruição do seu reino… Aquela espada mágica que
pegou de um morto-vivo poderoso pode ser o símbolo do sucessor do
ducado e agora o jogador, além de tudo, tem que fazer o velho ducado
arruinado voltar a sua antiga glória…
Claro, temos casos em que os jogadores podem fazer essas ações
sabendo que elas vão ocorrer, então, Mestre de Jogo, pense sempre nas
consequências.
Não conhecer o cenário político atual e a cultura pode ser muito
interessante, pois os jogadores não percebem muito isso. Um grupo pode
convencer os jogadores que o reino é oprimido por um mal rei e faz com
que eles acabem com ele, numa emboscada ou invadindo o castelo. Claro
que eles são conduzidos para fora do reino urgentemente, mas talvez
algum tempo depois voltem e descubram que ali eles são os piores vilões
da história, tirando um bom rei e colocando incompetentes ou ditadores
no lugar…
Futuro
Em vários cenários políticos futuristas, ele é uma bagunça. Em
alguns, megacorporações surgiram com o poder político, ou talvez uma
ditadura genética, ditadores alienígenas, mutantes, anarquistas… E
algumas vezes tudo isso de uma só vez! Numa ambientação desse tipo,
depende de qual seja o cenário de poder atual para seu personagem ter
algum poder político. Muitas vezes apenas o mais forte e poderoso (mais
rico ou mais forte mesmo) comanda. Às vezes a cadeia de comando é algo
que não dá lugar a novas cabeças que sempre estão tentando a vaga.
Assassinatos políticos ou empresarias (já que são quase a mesma coisa
nestes mundos) ocorrem com frequência, e seus personagens podem ser
contratados para isso, espionagem industrial, sabotagem ou a eliminação
de um projeto. Mesmo que haja um governo, em muitos cenários
futurísticos as empresas ainda comandam, vendendo armas para este
governo (ou outros projetos, algumas vezes até linhas inteiras de
produtos) e demonstrações deles podem ser alvos.
Em mundos apocalíticos ou planetas nesse estilo (vide
Borderlands
e outros do tipo) temos muitas vezes um cenário político reduzido, ou
seja, normalmente impera a lei do mais forte ou mais apto. Temos tribos
com um líder, mas não uma grande nação. Muitas vezes uma grande empresa
pode ser vista como o poder político vigente e talvez a visão de um
salvador com poderes divinos (na visão de seu povo). Aqui conseguir o
poder é mais simples (mas talvez não mais fácil). Derrotar o Líder, se
provar mais forte ou apto que ele. Claro que normalmente isso envolve
sua gangue e capangas também. Ou provar ser mais divino que o religioso
ou provar que ele está errado e você certo.
Em cenários políticos futuristas tenha certeza de uma coisa: você
pode não estar manipulando alguém, mas com certeza pode estar sendo
totalmente manipulado.
Criaturas Sobrenaturais e Superpoderosos
Em mundo místicos e sobrenaturais a política pode estar presente mais até do que se imagina. Em um cenário como o
Mundo das Trevas,
a política é muito importante, principalmente entre as facções de
criaturas. Cada qual tem suas políticas e suas maneiras, e cada uma vai
ter uma visão de como os seus serão usados. Vampiros podem tratar todos
como peões, lobisomens podem ter uma meritocracia e o Mago mais velho e
poderoso comanda os outros. Normalmente aqui eles não influenciam muito o
mundo normal, mas em alguns jogos isso pode acontecer. Num cenário com
magos no mundo real, talvez ocorra uma lavagem cerebral, dominação
mental, possessão e outros métodos de controle para se obter favores. O
que aconteceria se a humanidade os descobrissem? Seriam párias?
Conseguiriam seu lugar no mundo?
Falando em seres superpoderosos, porque um desses super-heróis não
vai até o Afeganistão e destrói os grupos terroristas? Influência
política. Se derrubar um, a retaliação pode ser mais terrível que
mantê-los e temos políticos importantes por trás deles. Claro que um
super poderia derrubar facilmente um país de um ditador, mas o que
impediria de vir outro a tomar seu lugar. Ou se esse ser superpoderoso
tomar um país, talvez seja fácil para ele… A reação de outros países
pode ser bem radical e de que lado outros seres poderosos iriam ficar?
Um cenário político nessa situação é bem frágil, pois estamos falando de
conquistar, algo que se faria com um exército pode ser feito com poucas
pessoas ou mesmo apenas uma. E como o povo iria se comportar? Um deus
pode governar homens?
Uma Teia de Intrigas
Uma das maiores verdades para seu personagem, não importa qual
cenário, é: se ele se envolver no mundo político, estará preso em uma
teia de intrigas, mentiras e favores. Se precisar de algo, mesmo que
seja para fazer o bem, nada é feito sem um favor sendo cobrado depois.
“Vou pedir um favor ao Senador Wilson para conseguirmos entrar no
Complexo e depois nunca mais quero saber dele”… sabe de nada inocente.
Vai ser cobrado por isso de um jeito ou de outro. O contrário também
acontece, no caso de ajudar uma vila a se livrar de um grande mal, você
ganha alguns favores dos aldeões não funciona da mesma forma? Só
pensando no tempo oposto, os aldeões da vila o ajudam, te curam e cuidam
de você e depois lhe contam sobre o grande mal que assola. Você se
sente endividado e vai lá enfrentar o grande mal. Claro isso é política e
eles sabiam que o personagem iria, talvez por seguir certo deus
conhecido ou grupo. Política normalmente é troca, mas em alguns casos
pode ser usada para fazer o personagem cometer um crime e talvez até
pagar por ele. A mentira faz parte do cenário mais do que gostaríamos.
Mas se pensarmos em quem tem o poder político, somente os líderes estão lá, certo?
Não. Detentores da Lei podem ser separados do governo político, mas
influenciam muito decisões políticas. Religiosos importantes podem te
excomungar como um inimigo da fé e mesmo a mídia pode influenciar a
população (vide o Brasil atual). Essas forças podem ser usadas para
conseguir algumas coisas para o personagem, não importa a época ou
mundo! Um bardo cantando suas aventuras pode deixá-lo mais famoso e
atrair a atenção de pessoas importantes, assim como sua ação de resgate
televisionada pode te transformar num herói ou vilão dependendo do que
for dito. Um homem da lei o reconhecer como um pirata espacial no
momento em que acabou de salvar um político importante pode acabar com
suas chances de conseguir um favor… Ou aquele clérigo da religião o
excomunga da cidade, pois o Poderoso Vidente disse que seu grupo segue
um deus do mal (mesmo que o vidente seja um avatar desse deus).
Mas uma lei é universal no mundo político: qualquer ação tem uma
reação e seu personagem deve estar preparado para qualquer coisa…