21 de fevereiro de 2019

Contos das Trevas: Só mais um Silva

Texto de Douglas Ferreira, para o site "Brasil in the Darkness".
 
Rogério Silva se misturava entre as pessoas, uma sombra na multidão, era só mais um Silva, mas sobre ele mesmo haviam outras coisas, as quais ele nada sabia, mas que iriam tirá-lo de diversas enrascadas, como se já não bastasse trabalhar no ramo de assassinatos…
Mas matar é uma coisa e morrer é outra coisa completamente diferente…
Mais uma noite, mais um serviço, dessa vez fora contratado para acabar com o alarde de um ativista, que lutava junto a ecologistas para que os dejetos químicos da Companhia Siderúrgica fossem tratados antes de serem jogados nas águas do rio de onde diversos pescadores tiravam seu sustento. Ele morava em um prédio bem no meio do bairro de Santa Cruz, periferia do Estado do Rio de Janeiro, o contratante e o contato raramente viam seu rosto pois havia todo um esquema de salas de bate papo, telefonemas de orelhões e a mudança constante de lugar, sem falar em identidades falsas e a compra de pessoas muito influentes. Silva nunca ficava mais de dez dias em um só lugar e se ficasse seria por um ótimo motivo: dinheiro!
O contratante indica nome, endereço, horários, hábitos e tudo mais que puder para facilitar o trabalho, que quanto mais rápido melhor, de posse das informações começa a verificação e atualização ou, dependendo da urgência do serviço, só é necessário gravar o nome e o rosto da vítima, por acaso este era um trabalho rápido, no mesmo dia, Silva liga para Gabriel, o alvo.
- Bom dia eu poderia falar com o senhor Gabriel?
- Quem deseja?
- Meu nome é Paulo e eu gostaria de saber mais sobre o projeto de controle de dejetos…
- É ele quem fala, o que você deseja saber?
- Senhor Gabriel como faço para ajudar nessa causa?
- Paulo você é de onde?
- Sou de Santa Cruz!
- Vá até o meu apartamento lá pelas 20:00 horas, que te mostro tudo e a gente conversa melhor… Conhece a rua da Feira?
- Sim.
- Então, prédio 64, apartamento 562, basta falar meu nome ao porteiro que ele me interfona e eu libero sua entrada, até a noite, abraços.
- Até.
Silva começa pensar na execução do trabalho, como fazer, o que fazer, o que levar, o que usar… mas primeiro ele precisa avaliar a área. Então este encontro será só para reconhecimento do local, dar uma olhada e sentir o ambiente, se existe algum risco, se tem câmeras, seguranças, alguém armado ou qualquer outro empecilho, uma visita de avaliação…
As 19:40 ele já estava em frente ao prédio observando se pela localidade havia alguma patrulha policial, câmeras ou pessoa suspeita, conforme ia em direção ao prédio caminhando lentamente, com seus olhos ia medindo cada parte da rua da Feira, localizando rotas de fuga, locais para se esconder, pular, subir, etc. Enquanto sua mente maquinava essas variáveis, o prédio ia se aproximando até chegar ao portão de entrada. Lá estava ele em frente ao prédio cercado por várias casas menores enquanto em sua frente uma cerca de mais ou menos 3 metros de altura em varas de ferro daquelas bem antigas, fortes e firmes pintadas em um verde descascado pelo tempo onde aparecia a cor da ferrugem. O prédio era de um tom claro de marrom e seus detalhes eram brancos, não parecia um lugar caro, estava bem cuidado apesar de precisar de uma nova pintura, o que aumentava o ar de classe média do local.
Ao apertar o botão do interfone o porteiro perguntou o que desejava e recebeu a resposta de que seu desejo era falar com o senhor Gabriel morador do 562, que já estava esperando a visita.
Ao receber a confirmação, o porteiro abre o portão externo e deixa o estranho entrar. Silva, de boné, cumprimenta com um boa noite e observa se existem câmeras no interior do prédio. Parece que aquele é o seu dia de sorte, não havia nenhum tipo de segurança além de um porteiro desarmado…
Alguns lances de escada e Gabriel acena para ‘Paulo’.
- Venha, entre!
- Boa noite, como posso ajudar?
- Oh, um homem de ação! Gosto disso! Quer uma água, uma cerveja, um refrigerante?
- Uma água está ótimo!
Enquanto vai até a cozinha buscar a jarra d’água e dois copos, ‘Paulo’ faz uma varredura pelo cômodo da casa, dali consegue ver a sacada, e as portas do quarto, cozinha e banheiro. Gabriel está sozinho, a noite não será longa.
Sobre a mesa folhetos, panfletos, pastas-arquivos com os nomes de empresas como Ardus Enterprises gerenciamento de lixo, Harold and Harold Mining mineradora, plantas e mapas.
Ao retornar Gabriel enche um copo, oferece e aponta para ‘Paulo’, que pega, bebe um gole e põe o copo sobre a mesa. Gabriel enche seu copo, põe a jarra sobre a mesa, aponta para as pastas e se põe a falar:
- Por enquanto só temos informações sobre essas empresas que estão em um grupo que lucra descartando seu lixo químico sem cuidado nos rios da região. Esse lixo mata e contamina os peixes, que contaminam os ribeirinhos. Se não pararem, muita gente vai morrer!
- E como faremos com que eles parem, Gabriel?
- Tenho as plantas, vou passar para o grupo essas informações, vamos fotografar a coleta e o descarte do lixo, levar tudo aos jornais e às autoridades competentes.
Simulando interesse e reflexão, Silva se levanta e caminha para a sacada, respirando fundo, com olhar vago, comenta:
- Parece tudo muito bem definido, onde iria me encaixar?
- Precisamos de pessoal que consiga transitar a informação rapidamente, que se desloque com segurança, num trabalho de contínuo, só que com informações ultra sigilosas.
- Isso acredito que posso fazer facilmente!
Com um sorriso no rosto, Gabriel se levanta, deixando o copo sobre a mesa e acompanha ‘Paulo’ até a sacada.
‘Paulo’ abre os braços para um abraço caloroso que termina em um empurrão por sobre a grade!
Surpreso e desestabilizado, Gabriel se estatela na portaria, o porteiro desesperado abre o portão e vai até a rua, Rogério desce, uma multidão se aglomera ao redor do corpo que jaz sobre uma poça de sangue ainda quente.
Silva desce a rua procurando um orelhão que só encontra a quatro quadras dali, tecla os sete números e informa conclusão do serviço.
 
***
 
RED, diante do seu 486, recebe um e-mail com data e hora a aproximada do “acidente”, enviado por um espírito da Weaver que ronda as prensas de um jornal do bairro. A fúria percorre seus músculos. Com uma mão ele pega o telefone, com a outra parte uma tora de 15 cm. A secretária convocará a matilha, isso não vai ficar barato!

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