Escrito por Porakê Martins para o site Brasil In The Darkness.
Ainda na segunda edição de Vampiro:
A Máscara, no suplemento A World of Darkness Second Edition, de
1996, ficam estabelecidas as bases para como o jogo retrata a América
Central e do Sul, consequentemente o Brasil, bases essas que ecoariam
até os mais recentes suplementos lançados para o V20:
“A América do Sul e Central não
são tão desenvolvidas quanto os vizinhos do norte. Em algumas
áreas, as selvas e as montanhas permanecem quase intocadas por
Cainitas e mortais. Apesar de inúmeras reivindicações pelo Sabá e
Camarilla, nenhuma das duas seitas realmente detém o poder em mais
do que uma fração do continente. A maioria das atividades das
seitas aqui é muito menos organizada do que na América do Norte e
na Europa; muitos vampiros operam como predadores individuais, apenas
vagamente respeitados pelos ditames dos Regentes do Círculo Interno.
A América Central é
inquestionavelmente uma grande fortaleza do Sabá. A seita faz sua
principal sede no México, e o centro das operações do Sabá é a
Cidade do México. Ainda assim, o domínio da seita está longe de
ser incontestável: bolsões de Camarilla e linhagens independentes
(particularmente os Samedi) existem e mantêm os seus próprios
domínios, como a tapeçaria de revoluções e golpes da América
Central.
A América do Sul é uma colcha louca
de influência sobrenatural. Aqui, a guerra entre Camarilla e Sabá é
permanente, enquanto Setitas e Giovanni espreitam nas margens,
aguardando uma oportunidade. Lupinos e outros metamorfos buscam os
lugares selvagens, ainda lutando contra criaturas, Magos percorrem as
cidades da América do Sul e seus locais místicos, aproveitando a
energia bruta das cerimônias de santeria e explorando pirâmides
maias há muito esquecidas. Os changelings nativos detêm segredos
antigos para aqueles que são astutos o suficiente para negociar com
eles — e maldições antigas para os incautos.
Como regiões em desenvolvimento, a
América Central e a América do Sul têm muito a oferecer aos
vampiros que buscam poder e oportunidade. Muitos neófitos e anciões,
cansados de estruturas de poder calcinadas e de falta de
oportunidades, se reúnem nas terras não cultivadas do sul. No
entanto, há um outro lado: a região está repleta de inimigos
potenciais, vampíricos e de outra natureza, e a autoridade frouxa
das seitas significa que um vampiro com problemas pode não recorrer
à proteção de um Príncipe, Arcebispo, Arconte ou domínio.
Também não é sensato subestimar os
mortais da região. Os habitantes da América do Sul brotam de todo
tipo de origem. Os mitos africanos, as lendas nativas e as doutrinas
católicas fervilham em um caldeirão borbulhante de crenças, e
muitas das antigas histórias ainda ecoam pelas noites úmidas dos
trópicos. Não é surpresa que os ‘realistas fantásticos’ da
literatura, como Garcia-Marquez, venham desta região. O sobrenatural
faz parte integrante da visão de mundo sul-americana, e os mortais
preparam-se de acordo. Os cainitas podem ser menos cautelosos com a
Máscara, verdade, mas devem manter seus olhos morto-vivos atentos
para pessoas habilidosas, muito familiarizados com os poderes — e
fraquezas — dos vampiros.” (A
World of Darkness Second Edition, Pg 26).
Curiosamente, este cenário de caos e
incerteza, favorável aos crossovers mais bizarros, onde as
fronteiras entre as Seitas parecem incertas e os interesses pessoais
e conveniências momentâneas são muito maiores do que qualquer
compromisso com elas, até poderia ofender algum traço hipócrita de
nacionalismo do público brasileiro, mas nos parece bastante
condizente e adequado à realidade da Região.
Tratando-se mais especificamente do
Brasil, o referido suplemento apresenta assim o cenário para o país:
“O Brasil é o maior país da
América do Sul, estendendo-se a cerca de 2700 milhas, do sopé da
Cordilheira dos Andes, até o Oceano Atlântico, a leste. Em área, o
Brasil é o quinto maior país do mundo. Faz divisa com todos os
países do continente, exceto Chile e Equador. Apesar de deter dentro
de suas fronteiras uma área quase do tamanho dos Estados Unidos, sua
população é de quase metade daquela.
O Brasil ganhou independência de
Portugal em 1822, e durante o século XIX teve uma estabilidade
política incomum para a América Latina. No entanto, com o alvorecer
do século 20, a área caiu em uma turbulência social.
Os vampiros do Brasil não reivindicam
parte no caos; a queda violenta de uma dúzia de administrações
diferentes é inteiramente o trabalho dos mortais. É claro que os
Brujah, os Gangrel e outros estavam mais do que felizes em se
refestelar no caos. Brasília, a capital, foi construída no Planalto
em 1957, a fim de incentivar o desenvolvimento do interior. Os
Nosferatu brasileiros aproveitaram a construção, e têm uma
casamata bem fortificada escondida debaixo da cidade propriamente
dita. O Refúgio Amanganti está bem protegido pela geografia natural
da área, e esta proteção é complementada por portas projetadas
sob demanda especialmente para resistir à explosão de uma bomba de
hidrogênio. O Amanganti é supostamente guardado por minas
terrestres, lança-chamas e granadas de fósforo. Os Nosferatu falam
com orgulho de sua fortaleza impenetrável, mas raramente mencionam
por que eles sentiram que ela era necessária. Aqueles que
perguntaram simplesmente foram informados de que ‘Aquela Que Grita
nas Florestas’ ressurgiu.
As planícies brasileiras são
composta principalmente de rochas sedimentares e terrenos
acidentados. Por esta razão, grande parte do interior do Brasil
ainda está desabitado, apesar dos avanços tecnológicos que
permitiriam o fácil acesso. Os mortais brasileiros preferem
permanecer concentrados ao longo da costa ou às margens dos
principais rios. Este panorama exuberante de floresta indomável
tornou o Brasil muito popular para os Gangrel. Ninguém sabe o número
de membros do Clã Gangrel no Brasil, mas a maioria suspeita que os
números sejam altos. O medo do estrago que os Gangrel poderiam
causar se fossem incomodados impediu os outros vampiros do Brasil de
se esforçarem para a expansão em novas áreas.” (A World of
Darkness, Pg 34–35).
Aqui a White Wolf dá uma escorregada,
a ideia do Brasil como um país rural que este trecho pode transmitir
já não condiz há algum tempo com a nossa realidade. Na segunda
metade do Século XX o Brasil, que concentra quase metade da
população da América do Sul, se estabeleceu como o maior parque
industrial de toda a América Latina e a principal potência
econômica da região, embora ainda se mantenha submisso aos
interesses econômicos e culturais da Europa e EUA.
Mais de 80% da população do país é
urbana, se espremendo em grandes cidades, alguma delas, como São
Paulo, figuraram entre as maiores do mundo, 5 das maiores metrópoles
sul-americanas estão no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro,
Brasília, Salvador e Fortaleza). Esse processo é recente, só na
década de 70 o Brasil deixou de ser um país rural, mas as cidades
brasileiras, com seu crescimento desordenado e altíssimos índices
de violência e criminalidade certamente seriam um prato cheio para
os cainitas.
Uma abordagem mais condizente com a
importância real do país só viria com o advento do V20, como já
abordamos em artigos anteriores, onde São Paulo foi estabelecida
como um dos mais importantes centros de poder mundial do Sabá e uma
Brujah de origem brasileira foi introduzida ao Círculo Interno da
Camarilla.
Mas além de tocar em Brasília, o “A
World of Darkness Second Edition” teve o mérito de estabelecer o
Rio de Janeiro como uma cidade única no mundo, onde as seitas mantém
um pacto de convivência:
“A influência Lasombra no Rio
remonta à descoberta do local por Gonçalo Coelho. Afinal, foi o
lendário arcebispo Moncada quem financiou sua expedição. Os
Toreadores chegaram escassas décadas depois, com os primeiros
huguenotes exilados para construir um assentamento permanente ao
longo da baía. Até que o ouro e as gemas começaram a fluir pelo
Rio de Minas Gerais na década de 1690, os dois clãs tiveram
escaramuças intermitentemente. Com o dinheiro, no entanto, vieram as
verdadeiras guerras, que duraram até 1807, com a chegada da corte
portuguesa exilada fugindo de Napoleão. O afluxo de membros
poderosos de ambos os clãs sedimentaram o conflito em um impasse
rapidamente, enquanto a imensa riqueza da cidade e a grande população
transitória tornaram a paz uma ideia muito atraente. Eventualmente,
a trégua se transformou em algo que tem semelhanças ocasionais com
uma aliança, com base no princípio sagrado de não perturbar o
ganso que coloca os ovos dourados (e esmeralda).
Então é aqui, de todos os lugares,
que Lasombras do Sabá e Toreadores da Camarilla fizeram uma paz
tácita. A cidade foi declarada informalmente um Carnaval Cainita:
uma cidade livre, fora das guerras das seitas e da Jyhad. Todos os
vampiros são bem-vindos aqui, desde que deixem a política para trás
durante sua permanência. Isso não quer dizer que o Rio seja seguro
para vampiros — muito longe disso, mas apenas significa que se
um vampiro mata outro aqui, é mais provável que seja por razões de
negócios — ou prazer — do que por ganho político.
Vampiros de todas as estirpes passam
pelos caminhos tórridos do Rio, mas certos clãs são predominantes.
Os Lassombra e Toreadores ainda dominam o Rio, conduzindo os assuntos
da cidade (ou simplesmente existentes) com um estilo e elegância
desconhecido para regiões mais estáveis. Brujah também andam aqui
em abundância; alguns são descendentes de escravos ou escravos das
noites de revolução, enquanto outros são atraídos pelos ritos de
Santeria do Rio e pelos cultos de sangue subversivos. Malkavianos
atravessam as ruas a noite, os excessos ignorados pelo rebanho que
ri; Tremere deslizam pelas sombras, espiam e vendem seus serviços;
Setitas sibilava dos becos, oferecendo diversões para satisfazer
todos os gostos; e até Assamitas podem ser encontrados aqui, como
assassinos ou praticantes de capoeira (uma arte marcial brasileira).
Para a população mortal do Rio, o
Carnaval é o festival lendário que ocorre quatro dias antes da
quarta-feira da cinza. Para os vampiros, o Carnaval é algo
completamente diferente. É o código oficial do Rio, executado por
vampiros seculares que, talvez cansados das guerras de sua espécie,
fizeram da cidade um campo de entretenimento. Em uma cidade onde os
esquadrões da morte percorrem as ruas para exterminar o excesso de
escória da rua, certamente há uma abundância de alimentos para
todos. A cidade é um porto livre para bens e serviços vampíricos,
onde os negócios podem ser atingidos e as atribuições podem ser
feitas longe dos olhos vigilantes dos anciões da seita. É no Rio
que um Toreador pode contratar uma Tzimisce para fabricar seu amante
de sonhos, ou um devoto Lassombra pode rezar na estátua de Cristo
Redentor no Corcovado ao lado de um pequeno bando Gangrel.
Como se poderia esperar, tais
liberdades custam um bom preço. Enquanto as linhas de batalha do
Jyhad foram temporariamente apagadas aqui, para muitos vampiros, isso
simplesmente significa que agora aqueles de seu próprio lado pode
tentar atacá-lo sem retaliações. Alguns dos esquadrões da morte
que caçam jovens são na verdade gangues mercenárias de cainitas
que caçam outros de sua espécie, recebendo recompensas em vitae e
ouro de qualquer pessoa disposta a contratá-los. Ainda assim, isso
faz parte da alegria do Rio: o desfile de escolas de samba podem
esconder uma meia dúzia de assassinatos e os ‘prestativos’
Tzimisce se orgulham de quanto tempo eles podem prolongar o processo
de alimentação de suas vítimas, um gole de cada vez, nas ruidosas
linhas de esgoto que correm para a baía”. (A World of Darkness, Pg
35–36).
Alguns fãs podem torcer o nariz para
esse “Carnaval Cainita” de Vampiro: A Máscara (Mantido como
canônico pelo V20, segundo o Beckett’s Jihad Diary). Mas é
interessante perceber alguns elementos que foram introduzidos no A
World of Darkness e mais tarde aprofundados nos livros seguintes da
terceira edição e do V20.
O primeiro desses elementos refere-se
à quão antiga é a presença cainita no Brasil, afinal, o trecho
acima estabelece que os Lasombra estiveram por trás das primeiras
navegações portuguesas ao que viria a ser Brasil, na aurora do
século XVI. Já a presença Toreador é relacionada aos huguenotes,
protestantes franceses que tentaram estabelecer uma colônia na
região que viria a ser o Rio de Janeiro em meados do século XVI, a
chamada “França Antártica”.
Certamente, com um Novo Mundo repleto
de criaturas sobrenaturais hostis (zoomorfos, fadas e magos nativos),
faz muito sentido que seres sobrenaturais do Velho Mundo tenham
tomado a linha de frente do processo de colonização, em especial,
os cainitas menos dados as restrições impostas pela humanidade,
lupinos, fadas europeias e os temidos artífices da Ordem da Razão.
Pode parecer um duro golpe para nossa
autoestima, mas o fato é que por aqui estamos na periferia das
potências que dão as cartas na política e na economia mundiais e
faz todo o sentido que na periferia as formalidades e fidelidades
sejam muito mais flexíveis.
O segundo elemento semeado no
suplemento de 1996 é o de como o contexto político, econômico e
cultural do processo de colonização, tanto do ponto de vista da
nossa realidade quanto da perspectiva do jogo, parece contribuir para
justificar essa falta de apego às formalidades das seitas por essas
bandas.
Em nosso mundo real, a América em
geral e o Brasil em particular, tem sido, de fato, um caldeirão das
mais diferentes culturas, onde a presença dos colonos europeus se
pautou por degredados, refugiados e fugitivos do Velho Mundo.
Náufragos, piratas, degredados, traficantes de escravos e
especiarias, os próprios escravos, refugiados de perseguições
políticas e religiosas das mais diversas origens.
Do ponto de vista do cenário do jogo,
é importante ressaltar que o período colonial coincide com a
consolidação das Seitas. Tanto a Camarilla quanto o Sabá não
passavam de embriões quando Colombo aportou no Novo Mundo e, como
tudo naquele tempo, a notícia deve ter demorado bastante para cruzar
o atlântico, mas ainda se considerarmos o ritmo lento da própria
sociedade dos mortos-vivos. Como esclarece a 3ª edição do Guia da
Camarilla:
“Em 1435, Hadestadt invocou uma
convenção de anciões para lidar com o problema dos anarquistas.
Ele propôs a formação de uma aliança entre os vampiros com o
objetivo de lidar com os problemas que cruzassem as fronteiras
estabelecidas entre os clãs. Embora a maioria dos anciões tivesse
suspeitas e tenha rejeitado a ideia, um pequeno grupo se juntou a
Hadestadt. Na década seguinte, esse grupo definiu sutilmente os
ideais da Camarilla em conselhos informais e encontros particulares.
Em 1450, os Fundadores da Camarilla
haviam assegurado o apoio de um número suficiente de anciões
europeus para começarem a afirmar sua autoridade, enviando circulos
mistos em ataques contra as fortalezas anárquicas. Ao mesmo tempo,
os fundadores encorajavam outros grupos a procurar por Alamut, a
fortaleza oculta dos Assamitas.
O poder centralizado da Camarilla
parece ter sido a chave para a derrota dos anarquistas. Em 1493, os
líderes do Movimento Anarquista consentiram em realizar uma
convenção para discutir os termos da rendição. A Convenção dos
Espinhos trouxe a maioria dos anarquistas de volta à Camarilla e se
encarregou da punição do Clã Assamita pelo seu papel durante a
guerra. A convenção também testemunhou o primeiro discurso público
do Toreador Rafael de Corazon exigindo a imposição das Tradições
e da Máscara. Os Anarquistas que rejeitaram os termos da Convenção
dos Espinhos fugiram para mais tarde fundar o Sabá.” (Guia da
Camarilla, Pg20)
Ou seja, se a Convenção dos Espinhos
só ocorreu em 23 de outubro de 1493 (como é esclarecido na página
16 do Guia do Sabá), nos resta a curiosa conclusão de que ela só
foi formalmente instituída 11 dias após Colombo aportar no que
viria a ser conhecido como América, o que ocorreu na madrugada de 12
de outubro daquele mesmo ano.
Levaria ainda meio século para se
lançar as bases da organização do Sabá e, mesmo na Europa, as
fronteiras entre seitas demorariam para serem estabelecidas, como
demonstra esse trecho, que também sugere que o controle cainita
sobre os governos mortais nesse período foi bem menor do que alguns
poderia supor, talvez pela influência dos mortais da Ordem da Razão:
“Nos 50 anos que se seguiram [à
Convenção dos Espinhos], bandos (“sabás”) de antitribo
infestaram a noite, arrastando aldeões para a escuridão e atacando
cada vez com mais precisão a base de poder que a Camarilla estava
construindo para si. Ao longo daqueles 50 anos, esses rebeldes se
organizaram em uma seita coesa e ideológica, chegado ao acordo
quanto a uma doutrina primitiva contra anciões e antidiluvianos que
puxavam seus cordões. A libertação da Jyhad dos Antigos, tornou-se
o principal fundamento da seita — mesmo que os Lasombra e
Tzimisce tenham conseguido destruir seus Antediluvianos, isso só
permitiu que os outros Antigos existentes preenchessem o espaço
deixado. Até a metade do século XVI, a entidade conhecida como Sabá
se uniu formando uma oposição à Camarilla e a uma sujeição cega
ao mal maior.
No final do século XVI, o Sabá se
viu em uma posição precária. Composta, como estava, por alguns
anciões Cainitas obstinados (que teriam sido alvos da violência,
caso tivessem declarado fidelidade à Camarilla) e uma vasta maioria
de jovens vampiros sem muito poder ou influência, a seita não tinha
conseguido obter vantagem significativa (nem mesmo uma
cabeça-de-ponte) contra a nascente Camarilla.
Uma guerra implacável brotou entre os
vampiros do recém-formado Sabá e os da não muito mais velha
Camarilla. A Inquisição continuava fazendo vitimas enquanto todos
os Cainitas da Europa trocavam sinais na areia para indicar seus
compromissos de lealdade. No entanto, essas fronteiras não eram
políticas, já que os vampiros não possuíam habilidade para
controlar os chefes de estado ou requerer comissões governamentais
para si mesmos (isso é, pelo menos não em grande escala; alguns
vampiros operam em níveis mais baixos do governo até as noites de
hoje), mas especificamente até onde os Membros poderiam estender seu
poder. Algumas cidades importantes da Espanha (nas quais o Sabá
predominava) possuíam comunidades poderosas de vampiro da Camarilla,
enquanto mais de uma cidade na França — nas quais os
Toreadores e Ventrue exerciam influência — abrigavam grandes
populações do Sabá. No final das contas, a guerra era muito mais
uma litania noturna de ataques de guerrilhas do que ações francas
em campo de batalha. Governos fantoches caíram ou mudaram de lado,
ordem cavaleirescas se desintegraram, a ciência criava armas
terríveis com as quais podia-se atacar inimigos e ter refúgios
queimados como lenha na lareira no inverno.” (Guia do Sabá, Pág
15–16)
Sobre a questão do quando o Novo
Mundo se manteve por muito tempo à margem do pior da disputa entre
as seitas, alguns Clanbooks da terceira edição são ainda mais
claros.
Sobre as primeiras as noites dos
cainitas europeus no Novo Mundo o Clanbook Lasombra revela uma
curiosa relação entre a Camarilla e este clã, tão intimamente
ligado ao Sabá:
“Aquelas eram noites de caos, ou foi
isso que aqueles que fizeram cedo a viagem me disseram. Separados das
formalidades de governo de seus vários clãs, os emigrantes brigavam
constantemente entre si. Esforços para organizar reuniões
continentais de Vaulderie não deram em nada, então os únicos laços
confiáveis de unidade eram locais. Além disso, os emigrantes
encontraram um nível de atividade Lupina sem precedentes desde a
Idade da Pedra. Nem conseguimos o continente para nós: a turba da
Camarilla (e alguns infiltrados disfarçados de ralé) também
atravessaram o mar, trazendo com eles os protocolos sufocantes que
adoram como ‘Tradições’.
Não é preciso ressaltar que, no meio
desta luta, nos distinguimos como líderes. A natureza um tanto
descentralizada dos Amigos da Noite significa que os membros do nosso
clã nunca estão totalmente isolados, desde que um lanmates
experiente estivesse por perto. Os Tribunais de Sangue tornaram-se,
por várias décadas, a coisa mais próxima da justiça formal no
Novo Mundo, e em algumas ocasiões os Amigos chegaram a terceirizar
seus serviços para os cainitas da Camarilla que precisavam ter suas
disputas resolvidas. Perceba que nenhum das partes que ainda
permanece ativa jamais questionou isso, no entanto.” (Clanbook
Lasombra 3º Edition, pg 26)
Já o Clanbook Nosferatu, pela voz de
um Nosferatu brasileiro, chega a sugerir até mesmo uma espécie de
divisão de tarefas entre as seitas para promover o processo de
ocupação do Novo Mundo:
“Quando a Camarilla e o Sabá
ouviram notícias sobre isso, eles também estavam ansiosos para
dividir esse admirável mundo novo entre suas duas seitas. É verdade
que a Camarilla e os Cainitas do Sabá geralmente não eram tão
civilizados uns com os outros, mas ainda assim definiam um plano
semelhante. Alguns príncipes ricos em Portugal investiram
pesadamente na colonização da costa nordeste, enquanto o Sabá
espanhol usava a influência que podiam para receber novos relatos de
exploradores de seus rebanhos mortais. Depois que os exploradores
europeus lançaram as bases para assentamentos no apropriadamente
equivocado “Novo Mundo”, futuros neófitos seguiriam, ajudando a
desenvolver rebanhos de mortais para a próxima geração de
Cainitas.” (Clanbook Nosferatu 3º Edition, pg 37).
Seja como for, o Clanbook Ventrue
deixa claro que o clã, e consequentemente, a Camarilla, se
beneficiaram muito da colonização do Novo Mundo, o suficiente para
justificar tais arranjos:
“Por toda a Europa, o clã Ventrue
liderou o caminho para investir e explorar o comércio com o Novo
Mundo e a Ásia. Embora os mortais fizessem a maior parte do trabalho
real e os próprios Ventrue raramente viajassem para suas
propriedades estrangeiras, os cofres do Membro aumentavam além do
imaginável. Foi nessa época que o clã ganhou a merecida reputação
de clã mais rico do mundo. As receitas desses investimentos
originais no exterior ainda servem como base para a riqueza de muitos
anciões europeus nas noites modernas.” (Clanbook Ventrue 3º
Edition, pg 24–25).
Este panorama histórico é o que nos
permite entender o cenário atual para a América do Sul, que é
descrito assim pelo Guia do Sabá:
“Em um continente infestado de
domínios vampíricos feudais e ultrapassados, o Sabá exerce apenas
um controle limitado. A maioria dos Cainitas da America do Sul apoia
a existência de domínios privados sustentados por pequenos círculos
de aliados influentes. Levando em conta que esses soberanos vampiros
não têm a menor vontade de arriscar sua posição participando da
Jyhad do Sabá, a seita tem tido pouco êxito em suas tentativas de
conversão na região. Além disso, embora as grandes cidades sejam
sempre os alvos principais da seita, a economia dos países da
America do Sul não possuem o mesmo apelo das existentes na America do
Norte e Europa, por isso, são muitas vezes consideradas alvos
secundários devido a sua falta de poder financeiro
e — incorretamente — de importância para a Jyhad. Na
verdade, a postura neutra da America do Sul faz com que muitas
cidades sejam perfeitas para encontros com membros de outras seitas
ou organizações. Quando um vampiro independente ou da Camarilla tem
que fazer um acordo com o Sabá, existem grandes chances das
negociações ocorrerem aqui, muitas vezes convivendo com criminosos
de guerra, expatriados e outros exilados do mundo mortal.
Os vampiros do Sabá da America do Sul
são desorganizados e rebeldes. As cidades da região são altamente
independentes e a presença do Sabá em uma cidade é normalmente
limitada a um único bando. Além disso, dado o relacionamento
antagônico com os metamorfos aparentemente onipresentes da regido
(que parecem estar envolvidos em algum tipo de guerra deles), o Sabá
considera o continente Sul Americano muito incômodo para qualquer
tipo de viagem.” (Guia do Sabá, Pg 23)
Ou seja, cidades consideradas
relevantes para o cenário mundial Vampiro, como Brasília e o Rio de
Janeiro descritos no A World of Darkness Second Edition, ou a São
Paulo apresentada no V20 Companion, são uma exceção na região.
Assim, um cenário nacional para
Vampiro: A Máscara, que siga as diretrizes estabelecidas pelo cânone
do Jogo, não só permite a presença das seitas tradicionais, mas
amplia bastante a complexidade e as possibilidades de interação
entre elas, abrindo muito espaço nebuloso para que Autarcas,
Anarquistas, Clãs Independentes, outras seitas e cultos obscuros
possam brilhar de uma forma que seria impensável no Velho Mundo e
difícil de considerar mesmo em cenários mais tradicionais na
América do Norte, onde, nas noites atuais, as fronteiras entre as
grandes seitas são muito mais delimitadas. Tudo isso, tem o
potencial de conferir uma personalidade única para crônicas
ambientadas em domínios tupiniquins.
Afinal, se o caos e a incerteza são a
maldição daqueles que levam suas não-vidas na periferia do mundo,
é também aqui, fora das luzes dos holofotes que iluminam o centro
do palco, que se tem a chance de obter a melhor perspectiva do quadro
geral e de se manter ocultos os maiores segredos.
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