30 de dezembro de 2019

Como Explorar o Brasil como Cenário em Vampiro A Máscara?


Escrito por Porakê Martins para o site Brasil In The Darkness.

Ainda na segunda edição de Vampiro: A Máscara, no suplemento A World of Darkness Second Edition, de 1996, ficam estabelecidas as bases para como o jogo retrata a América Central e do Sul, consequentemente o Brasil, bases essas que ecoariam até os mais recentes suplementos lançados para o V20:

“A América do Sul e Central não são tão desenvolvidas quanto os vizinhos do norte. Em algumas áreas, as selvas e as montanhas permanecem quase intocadas por Cainitas e mortais. Apesar de inúmeras reivindicações pelo Sabá e Camarilla, nenhuma das duas seitas realmente detém o poder em mais do que uma fração do continente. A maioria das atividades das seitas aqui é muito menos organizada do que na América do Norte e na Europa; muitos vampiros operam como predadores individuais, apenas vagamente respeitados pelos ditames dos Regentes do Círculo Interno.
A América Central é inquestionavelmente uma grande fortaleza do Sabá. A seita faz sua principal sede no México, e o centro das operações do Sabá é a Cidade do México. Ainda assim, o domínio da seita está longe de ser incontestável: bolsões de Camarilla e linhagens independentes (particularmente os Samedi) existem e mantêm os seus próprios domínios, como a tapeçaria de revoluções e golpes da América Central.
A América do Sul é uma colcha louca de influência sobrenatural. Aqui, a guerra entre Camarilla e Sabá é permanente, enquanto Setitas e Giovanni espreitam nas margens, aguardando uma oportunidade. Lupinos e outros metamorfos buscam os lugares selvagens, ainda lutando contra criaturas, Magos percorrem as cidades da América do Sul e seus locais místicos, aproveitando a energia bruta das cerimônias de santeria e explorando pirâmides maias há muito esquecidas. Os changelings nativos detêm segredos antigos para aqueles que são astutos o suficiente para negociar com eles — e maldições antigas para os incautos.
Como regiões em desenvolvimento, a América Central e a América do Sul têm muito a oferecer aos vampiros que buscam poder e oportunidade. Muitos neófitos e anciões, cansados de estruturas de poder calcinadas e de falta de oportunidades, se reúnem nas terras não cultivadas do sul. No entanto, há um outro lado: a região está repleta de inimigos potenciais, vampíricos e de outra natureza, e a autoridade frouxa das seitas significa que um vampiro com problemas pode não recorrer à proteção de um Príncipe, Arcebispo, Arconte ou domínio.
Também não é sensato subestimar os mortais da região. Os habitantes da América do Sul brotam de todo tipo de origem. Os mitos africanos, as lendas nativas e as doutrinas católicas fervilham em um caldeirão borbulhante de crenças, e muitas das antigas histórias ainda ecoam pelas noites úmidas dos trópicos. Não é surpresa que os ‘realistas fantásticos’ da literatura, como Garcia-Marquez, venham desta região. O sobrenatural faz parte integrante da visão de mundo sul-americana, e os mortais preparam-se de acordo. Os cainitas podem ser menos cautelosos com a Máscara, verdade, mas devem manter seus olhos morto-vivos atentos para pessoas habilidosas, muito familiarizados com os poderes — e fraquezas — dos vampiros.” (A World of Darkness Second Edition, Pg 26).

Curiosamente, este cenário de caos e incerteza, favorável aos crossovers mais bizarros, onde as fronteiras entre as Seitas parecem incertas e os interesses pessoais e conveniências momentâneas são muito maiores do que qualquer compromisso com elas, até poderia ofender algum traço hipócrita de nacionalismo do público brasileiro, mas nos parece bastante condizente e adequado à realidade da Região.

Tratando-se mais especificamente do Brasil, o referido suplemento apresenta assim o cenário para o país:

“O Brasil é o maior país da América do Sul, estendendo-se a cerca de 2700 milhas, do sopé da Cordilheira dos Andes, até o Oceano Atlântico, a leste. Em área, o Brasil é o quinto maior país do mundo. Faz divisa com todos os países do continente, exceto Chile e Equador. Apesar de deter dentro de suas fronteiras uma área quase do tamanho dos Estados Unidos, sua população é de quase metade daquela.
O Brasil ganhou independência de Portugal em 1822, e durante o século XIX teve uma estabilidade política incomum para a América Latina. No entanto, com o alvorecer do século 20, a área caiu em uma turbulência social.
Os vampiros do Brasil não reivindicam parte no caos; a queda violenta de uma dúzia de administrações diferentes é inteiramente o trabalho dos mortais. É claro que os Brujah, os Gangrel e outros estavam mais do que felizes em se refestelar no caos. Brasília, a capital, foi construída no Planalto em 1957, a fim de incentivar o desenvolvimento do interior. Os Nosferatu brasileiros aproveitaram a construção, e têm uma casamata bem fortificada escondida debaixo da cidade propriamente dita. O Refúgio Amanganti está bem protegido pela geografia natural da área, e esta proteção é complementada por portas projetadas sob demanda especialmente para resistir à explosão de uma bomba de hidrogênio. O Amanganti é supostamente guardado por minas terrestres, lança-chamas e granadas de fósforo. Os Nosferatu falam com orgulho de sua fortaleza impenetrável, mas raramente mencionam por que eles sentiram que ela era necessária. Aqueles que perguntaram simplesmente foram informados de que ‘Aquela Que Grita nas Florestas’ ressurgiu.
As planícies brasileiras são composta principalmente de rochas sedimentares e terrenos acidentados. Por esta razão, grande parte do interior do Brasil ainda está desabitado, apesar dos avanços tecnológicos que permitiriam o fácil acesso. Os mortais brasileiros preferem permanecer concentrados ao longo da costa ou às margens dos principais rios. Este panorama exuberante de floresta indomável tornou o Brasil muito popular para os Gangrel. Ninguém sabe o número de membros do Clã Gangrel no Brasil, mas a maioria suspeita que os números sejam altos. O medo do estrago que os Gangrel poderiam causar se fossem incomodados impediu os outros vampiros do Brasil de se esforçarem para a expansão em novas áreas.” (A World of Darkness, Pg 34–35).

Aqui a White Wolf dá uma escorregada, a ideia do Brasil como um país rural que este trecho pode transmitir já não condiz há algum tempo com a nossa realidade. Na segunda metade do Século XX o Brasil, que concentra quase metade da população da América do Sul, se estabeleceu como o maior parque industrial de toda a América Latina e a principal potência econômica da região, embora ainda se mantenha submisso aos interesses econômicos e culturais da Europa e EUA.

Mais de 80% da população do país é urbana, se espremendo em grandes cidades, alguma delas, como São Paulo, figuraram entre as maiores do mundo, 5 das maiores metrópoles sul-americanas estão no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Fortaleza). Esse processo é recente, só na década de 70 o Brasil deixou de ser um país rural, mas as cidades brasileiras, com seu crescimento desordenado e altíssimos índices de violência e criminalidade certamente seriam um prato cheio para os cainitas.

Uma abordagem mais condizente com a importância real do país só viria com o advento do V20, como já abordamos em artigos anteriores, onde São Paulo foi estabelecida como um dos mais importantes centros de poder mundial do Sabá e uma Brujah de origem brasileira foi introduzida ao Círculo Interno da Camarilla.

Mas além de tocar em Brasília, o “A World of Darkness Second Edition” teve o mérito de estabelecer o Rio de Janeiro como uma cidade única no mundo, onde as seitas mantém um pacto de convivência:

“A influência Lasombra no Rio remonta à descoberta do local por Gonçalo Coelho. Afinal, foi o lendário arcebispo Moncada quem financiou sua expedição. Os Toreadores chegaram escassas décadas depois, com os primeiros huguenotes exilados para construir um assentamento permanente ao longo da baía. Até que o ouro e as gemas começaram a fluir pelo Rio de Minas Gerais na década de 1690, os dois clãs tiveram escaramuças intermitentemente. Com o dinheiro, no entanto, vieram as verdadeiras guerras, que duraram até 1807, com a chegada da corte portuguesa exilada fugindo de Napoleão. O afluxo de membros poderosos de ambos os clãs sedimentaram o conflito em um impasse rapidamente, enquanto a imensa riqueza da cidade e a grande população transitória tornaram a paz uma ideia muito atraente. Eventualmente, a trégua se transformou em algo que tem semelhanças ocasionais com uma aliança, com base no princípio sagrado de não perturbar o ganso que coloca os ovos dourados (e esmeralda).
Então é aqui, de todos os lugares, que Lasombras do Sabá e Toreadores da Camarilla fizeram uma paz tácita. A cidade foi declarada informalmente um Carnaval Cainita: uma cidade livre, fora das guerras das seitas e da Jyhad. Todos os vampiros são bem-vindos aqui, desde que deixem a política para trás durante sua permanência. Isso não quer dizer que o Rio seja seguro para vampiros — muito longe disso, mas apenas significa que se um vampiro mata outro aqui, é mais provável que seja por razões de negócios — ou prazer — do que por ganho político.
Vampiros de todas as estirpes passam pelos caminhos tórridos do Rio, mas certos clãs são predominantes. Os Lassombra e Toreadores ainda dominam o Rio, conduzindo os assuntos da cidade (ou simplesmente existentes) com um estilo e elegância desconhecido para regiões mais estáveis. Brujah também andam aqui em abundância; alguns são descendentes de escravos ou escravos das noites de revolução, enquanto outros são atraídos pelos ritos de Santeria do Rio e pelos cultos de sangue subversivos. Malkavianos atravessam as ruas a noite, os excessos ignorados pelo rebanho que ri; Tremere deslizam pelas sombras, espiam e vendem seus serviços; Setitas sibilava dos becos, oferecendo diversões para satisfazer todos os gostos; e até Assamitas podem ser encontrados aqui, como assassinos ou praticantes de capoeira (uma arte marcial brasileira).
Para a população mortal do Rio, o Carnaval é o festival lendário que ocorre quatro dias antes da quarta-feira da cinza. Para os vampiros, o Carnaval é algo completamente diferente. É o código oficial do Rio, executado por vampiros seculares que, talvez cansados das guerras de sua espécie, fizeram da cidade um campo de entretenimento. Em uma cidade onde os esquadrões da morte percorrem as ruas para exterminar o excesso de escória da rua, certamente há uma abundância de alimentos para todos. A cidade é um porto livre para bens e serviços vampíricos, onde os negócios podem ser atingidos e as atribuições podem ser feitas longe dos olhos vigilantes dos anciões da seita. É no Rio que um Toreador pode contratar uma Tzimisce para fabricar seu amante de sonhos, ou um devoto Lassombra pode rezar na estátua de Cristo Redentor no Corcovado ao lado de um pequeno bando Gangrel.
Como se poderia esperar, tais liberdades custam um bom preço. Enquanto as linhas de batalha do Jyhad foram temporariamente apagadas aqui, para muitos vampiros, isso simplesmente significa que agora aqueles de seu próprio lado pode tentar atacá-lo sem retaliações. Alguns dos esquadrões da morte que caçam jovens são na verdade gangues mercenárias de cainitas que caçam outros de sua espécie, recebendo recompensas em vitae e ouro de qualquer pessoa disposta a contratá-los. Ainda assim, isso faz parte da alegria do Rio: o desfile de escolas de samba podem esconder uma meia dúzia de assassinatos e os ‘prestativos’ Tzimisce se orgulham de quanto tempo eles podem prolongar o processo de alimentação de suas vítimas, um gole de cada vez, nas ruidosas linhas de esgoto que correm para a baía”. (A World of Darkness, Pg 35–36).
 
Alguns fãs podem torcer o nariz para esse “Carnaval Cainita” de Vampiro: A Máscara (Mantido como canônico pelo V20, segundo o Beckett’s Jihad Diary). Mas é interessante perceber alguns elementos que foram introduzidos no A World of Darkness e mais tarde aprofundados nos livros seguintes da terceira edição e do V20.
 
O primeiro desses elementos refere-se à quão antiga é a presença cainita no Brasil, afinal, o trecho acima estabelece que os Lasombra estiveram por trás das primeiras navegações portuguesas ao que viria a ser Brasil, na aurora do século XVI. Já a presença Toreador é relacionada aos huguenotes, protestantes franceses que tentaram estabelecer uma colônia na região que viria a ser o Rio de Janeiro em meados do século XVI, a chamada “França Antártica”.
Certamente, com um Novo Mundo repleto de criaturas sobrenaturais hostis (zoomorfos, fadas e magos nativos), faz muito sentido que seres sobrenaturais do Velho Mundo tenham tomado a linha de frente do processo de colonização, em especial, os cainitas menos dados as restrições impostas pela humanidade, lupinos, fadas europeias e os temidos artífices da Ordem da Razão.

Pode parecer um duro golpe para nossa autoestima, mas o fato é que por aqui estamos na periferia das potências que dão as cartas na política e na economia mundiais e faz todo o sentido que na periferia as formalidades e fidelidades sejam muito mais flexíveis.

O segundo elemento semeado no suplemento de 1996 é o de como o contexto político, econômico e cultural do processo de colonização, tanto do ponto de vista da nossa realidade quanto da perspectiva do jogo, parece contribuir para justificar essa falta de apego às formalidades das seitas por essas bandas.

Em nosso mundo real, a América em geral e o Brasil em particular, tem sido, de fato, um caldeirão das mais diferentes culturas, onde a presença dos colonos europeus se pautou por degredados, refugiados e fugitivos do Velho Mundo. Náufragos, piratas, degredados, traficantes de escravos e especiarias, os próprios escravos, refugiados de perseguições políticas e religiosas das mais diversas origens.

Do ponto de vista do cenário do jogo, é importante ressaltar que o período colonial coincide com a consolidação das Seitas. Tanto a Camarilla quanto o Sabá não passavam de embriões quando Colombo aportou no Novo Mundo e, como tudo naquele tempo, a notícia deve ter demorado bastante para cruzar o atlântico, mas ainda se considerarmos o ritmo lento da própria sociedade dos mortos-vivos. Como esclarece a 3ª edição do Guia da Camarilla:

“Em 1435, Hadestadt invocou uma convenção de anciões para lidar com o problema dos anarquistas. Ele propôs a formação de uma aliança entre os vampiros com o objetivo de lidar com os problemas que cruzassem as fronteiras estabelecidas entre os clãs. Embora a maioria dos anciões tivesse suspeitas e tenha rejeitado a ideia, um pequeno grupo se juntou a Hadestadt. Na década seguinte, esse grupo definiu sutilmente os ideais da Camarilla em conselhos informais e encontros particulares.
Em 1450, os Fundadores da Camarilla haviam assegurado o apoio de um número suficiente de anciões europeus para começarem a afirmar sua autoridade, enviando circulos mistos em ataques contra as fortalezas anárquicas. Ao mesmo tempo, os fundadores encorajavam outros grupos a procurar por Alamut, a fortaleza oculta dos Assamitas.
O poder centralizado da Camarilla parece ter sido a chave para a derrota dos anarquistas. Em 1493, os líderes do Movimento Anarquista consentiram em realizar uma convenção para discutir os termos da rendição. A Convenção dos Espinhos trouxe a maioria dos anarquistas de volta à Camarilla e se encarregou da punição do Clã Assamita pelo seu papel durante a guerra. A convenção também testemunhou o primeiro discurso público do Toreador Rafael de Corazon exigindo a imposição das Tradições e da Máscara. Os Anarquistas que rejeitaram os termos da Convenção dos Espinhos fugiram para mais tarde fundar o Sabá.” (Guia da Camarilla, Pg20)

Ou seja, se a Convenção dos Espinhos só ocorreu em 23 de outubro de 1493 (como é esclarecido na página 16 do Guia do Sabá), nos resta a curiosa conclusão de que ela só foi formalmente instituída 11 dias após Colombo aportar no que viria a ser conhecido como América, o que ocorreu na madrugada de 12 de outubro daquele mesmo ano.

Levaria ainda meio século para se lançar as bases da organização do Sabá e, mesmo na Europa, as fronteiras entre seitas demorariam para serem estabelecidas, como demonstra esse trecho, que também sugere que o controle cainita sobre os governos mortais nesse período foi bem menor do que alguns poderia supor, talvez pela influência dos mortais da Ordem da Razão:

“Nos 50 anos que se seguiram [à Convenção dos Espinhos], bandos (“sabás”) de antitribo infestaram a noite, arrastando aldeões para a escuridão e atacando cada vez com mais precisão a base de poder que a Camarilla estava construindo para si. Ao longo daqueles 50 anos, esses rebeldes se organizaram em uma seita coesa e ideológica, chegado ao acordo quanto a uma doutrina primitiva contra anciões e antidiluvianos que puxavam seus cordões. A libertação da Jyhad dos Antigos, tornou-se o principal fundamento da seita — mesmo que os Lasombra e Tzimisce tenham conseguido destruir seus Antediluvianos, isso só permitiu que os outros Antigos existentes preenchessem o espaço deixado. Até a metade do século XVI, a entidade conhecida como Sabá se uniu formando uma oposição à Camarilla e a uma sujeição cega ao mal maior.
No final do século XVI, o Sabá se viu em uma posição precária. Composta, como estava, por alguns anciões Cainitas obstinados (que teriam sido alvos da violência, caso tivessem declarado fidelidade à Camarilla) e uma vasta maioria de jovens vampiros sem muito poder ou influência, a seita não tinha conseguido obter vantagem significativa (nem mesmo uma cabeça-de-ponte) contra a nascente Camarilla.
Uma guerra implacável brotou entre os vampiros do recém-formado Sabá e os da não muito mais velha Camarilla. A Inquisição continuava fazendo vitimas enquanto todos os Cainitas da Europa trocavam sinais na areia para indicar seus compromissos de lealdade. No entanto, essas fronteiras não eram políticas, já que os vampiros não possuíam habilidade para controlar os chefes de estado ou requerer comissões governamentais para si mesmos (isso é, pelo menos não em grande escala; alguns vampiros operam em níveis mais baixos do governo até as noites de hoje), mas especificamente até onde os Membros poderiam estender seu poder. Algumas cidades importantes da Espanha (nas quais o Sabá predominava) possuíam comunidades poderosas de vampiro da Camarilla, enquanto mais de uma cidade na França — nas quais os Toreadores e Ventrue exerciam influência — abrigavam grandes populações do Sabá. No final das contas, a guerra era muito mais uma litania noturna de ataques de guerrilhas do que ações francas em campo de batalha. Governos fantoches caíram ou mudaram de lado, ordem cavaleirescas se desintegraram, a ciência criava armas terríveis com as quais podia-se atacar inimigos e ter refúgios queimados como lenha na lareira no inverno.” (Guia do Sabá, Pág 15–16)

Sobre a questão do quando o Novo Mundo se manteve por muito tempo à margem do pior da disputa entre as seitas, alguns Clanbooks da terceira edição são ainda mais claros.

Sobre as primeiras as noites dos cainitas europeus no Novo Mundo o Clanbook Lasombra revela uma curiosa relação entre a Camarilla e este clã, tão intimamente ligado ao Sabá:

“Aquelas eram noites de caos, ou foi isso que aqueles que fizeram cedo a viagem me disseram. Separados das formalidades de governo de seus vários clãs, os emigrantes brigavam constantemente entre si. Esforços para organizar reuniões continentais de Vaulderie não deram em nada, então os únicos laços confiáveis de unidade eram locais. Além disso, os emigrantes encontraram um nível de atividade Lupina sem precedentes desde a Idade da Pedra. Nem conseguimos o continente para nós: a turba da Camarilla (e alguns infiltrados disfarçados de ralé) também atravessaram o mar, trazendo com eles os protocolos sufocantes que adoram como ‘Tradições’.
Não é preciso ressaltar que, no meio desta luta, nos distinguimos como líderes. A natureza um tanto descentralizada dos Amigos da Noite significa que os membros do nosso clã nunca estão totalmente isolados, desde que um lanmates experiente estivesse por perto. Os Tribunais de Sangue tornaram-se, por várias décadas, a coisa mais próxima da justiça formal no Novo Mundo, e em algumas ocasiões os Amigos chegaram a terceirizar seus serviços para os cainitas da Camarilla que precisavam ter suas disputas resolvidas. Perceba que nenhum das partes que ainda permanece ativa jamais questionou isso, no entanto.” (Clanbook Lasombra 3º Edition, pg 26)

Já o Clanbook Nosferatu, pela voz de um Nosferatu brasileiro, chega a sugerir até mesmo uma espécie de divisão de tarefas entre as seitas para promover o processo de ocupação do Novo Mundo:

“Quando a Camarilla e o Sabá ouviram notícias sobre isso, eles também estavam ansiosos para dividir esse admirável mundo novo entre suas duas seitas. É verdade que a Camarilla e os Cainitas do Sabá geralmente não eram tão civilizados uns com os outros, mas ainda assim definiam um plano semelhante. Alguns príncipes ricos em Portugal investiram pesadamente na colonização da costa nordeste, enquanto o Sabá espanhol usava a influência que podiam para receber novos relatos de exploradores de seus rebanhos mortais. Depois que os exploradores europeus lançaram as bases para assentamentos no apropriadamente equivocado “Novo Mundo”, futuros neófitos seguiriam, ajudando a desenvolver rebanhos de mortais para a próxima geração de Cainitas.” (Clanbook Nosferatu 3º Edition, pg 37).

Seja como for, o Clanbook Ventrue deixa claro que o clã, e consequentemente, a Camarilla, se beneficiaram muito da colonização do Novo Mundo, o suficiente para justificar tais arranjos:

“Por toda a Europa, o clã Ventrue liderou o caminho para investir e explorar o comércio com o Novo Mundo e a Ásia. Embora os mortais fizessem a maior parte do trabalho real e os próprios Ventrue raramente viajassem para suas propriedades estrangeiras, os cofres do Membro aumentavam além do imaginável. Foi nessa época que o clã ganhou a merecida reputação de clã mais rico do mundo. As receitas desses investimentos originais no exterior ainda servem como base para a riqueza de muitos anciões europeus nas noites modernas.” (Clanbook Ventrue 3º Edition, pg 24–25).

Este panorama histórico é o que nos permite entender o cenário atual para a América do Sul, que é descrito assim pelo Guia do Sabá:

“Em um continente infestado de domínios vampíricos feudais e ultrapassados, o Sabá exerce apenas um controle limitado. A maioria dos Cainitas da America do Sul apoia a existência de domínios privados sustentados por pequenos círculos de aliados influentes. Levando em conta que esses soberanos vampiros não têm a menor vontade de arriscar sua posição participando da Jyhad do Sabá, a seita tem tido pouco êxito em suas tentativas de conversão na região. Além disso, embora as grandes cidades sejam sempre os alvos principais da seita, a economia dos países da America do Sul não possuem o mesmo apelo das existentes na America do Norte e Europa, por isso, são muitas vezes consideradas alvos secundários devido a sua falta de poder financeiro e — incorretamente — de importância para a Jyhad. Na verdade, a postura neutra da America do Sul faz com que muitas cidades sejam perfeitas para encontros com membros de outras seitas ou organizações. Quando um vampiro independente ou da Camarilla tem que fazer um acordo com o Sabá, existem grandes chances das negociações ocorrerem aqui, muitas vezes convivendo com criminosos de guerra, expatriados e outros exilados do mundo mortal.
Os vampiros do Sabá da America do Sul são desorganizados e rebeldes. As cidades da região são altamente independentes e a presença do Sabá em uma cidade é normalmente limitada a um único bando. Além disso, dado o relacionamento antagônico com os metamorfos aparentemente onipresentes da regido (que parecem estar envolvidos em algum tipo de guerra deles), o Sabá considera o continente Sul Americano muito incômodo para qualquer tipo de viagem.” (Guia do Sabá, Pg 23)

Ou seja, cidades consideradas relevantes para o cenário mundial Vampiro, como Brasília e o Rio de Janeiro descritos no A World of Darkness Second Edition, ou a São Paulo apresentada no V20 Companion, são uma exceção na região.

Assim, um cenário nacional para Vampiro: A Máscara, que siga as diretrizes estabelecidas pelo cânone do Jogo, não só permite a presença das seitas tradicionais, mas amplia bastante a complexidade e as possibilidades de interação entre elas, abrindo muito espaço nebuloso para que Autarcas, Anarquistas, Clãs Independentes, outras seitas e cultos obscuros possam brilhar de uma forma que seria impensável no Velho Mundo e difícil de considerar mesmo em cenários mais tradicionais na América do Norte, onde, nas noites atuais, as fronteiras entre as grandes seitas são muito mais delimitadas. Tudo isso, tem o potencial de conferir uma personalidade única para crônicas ambientadas em domínios tupiniquins.

Afinal, se o caos e a incerteza são a maldição daqueles que levam suas não-vidas na periferia do mundo, é também aqui, fora das luzes dos holofotes que iluminam o centro do palco, que se tem a chance de obter a melhor perspectiva do quadro geral e de se manter ocultos os maiores segredos.

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